quinta-feira, 30 de junho de 2011

Futebol também é cultura

Ontem foi quarta-feira, jogo de futebol na TV, abri um vinho e fui revirar meus livros, retomei a leitura de "Lina Bo Bardi, Sutis Substâncias da Arquitetura - Olivia de Oliveira" e me peguei com a casa Chame-Chame (Salvador - BA, 1958-1964 construção/1984 demolição) projeto de Lina Bo Bardi, confesso que me deixa um tanto intrigada, tudo que envolve esse projeto concebido paralelamente ao Masp.
Logo na abertura me deparei com um trecho que me chamou a atenção, a distância formal que a casa Chame-Chame parecia apresentar diante da casa de vidro, a autora faz uma observação sobre as obras envidraçadas de Lina e como Lina cita as casa de Vilanova Artigas em seu primeiro artigo na revista Habitat criada por ela e Pietro Maria Bardi:
"Cada casa de Artigas quebra todos os espelhos do salão burguês. Nas casas de Artigas, que se vêem dentro, tudo é aberto, por toda parte o vidro, e os tetos baixos- muitas vezes-, a cozinha não é separada, e o burguês que se deixasse levar pela novidade e pedisse uma casa a Artigas, chocado com ‘tão pouca intimidade’, cego por tanta claridade, se apressaria a fechar com pesadas cortinas as vidraças, a fazer crescer sebes, a reforçar as portas, para continuar, bem defendido, a sua vida despreocupada entre os móveis ‘chippendale’ e os ‘abat-jours’ pintados a mão. As casas de Artigas são espaços abrigados contra as intempéries, o vento e a chuva, mas não o são contra o homem, tornando-se o mais distante possível da casa-fortaleza, a casa fechada, com interior e exterior, denuncia de uma época de ódios mortais. A casa de Artigas que um observador superficial pode definir como absurda é a mensagem paciente e corajosa de quem vê os primeiros clarões de uma nova época: a época da solidariedade humana”.

Então como explicar esse abismo entre projetos concebidos pela mesma pessoa? Intrigante...



Casa Chame-Chame
(Salvador - BA, 1958-1964 construção/1984 demolição)



Casa Chame-Chame
(Salvador - BA, 1958-1964 construção/1984 demolição)

A casa Chame-Chame é o avesso de sua citação as casas de Artigas e a sua casa de vidro, o que era transparência ‘saudável’ surge como pesado e opaco.
O fato é que a casa é intrigante por vários motivos, os quatro estudos para tal casa até chegar no projeto final, explica a passagem do desenho inicial, ortogonal, para o final, orgânico e vai contextualizando o projeto dentro do panorama da arquitetura da época e como ele se insere na cidade de Salvador e tem algumas coisas que me chamam atenção: a classificação da casa como "casa percurso", o tratamento que a arquiteta dá a escada considerando-a como um ambiente e não só como instrumento de ligação entre um nível e outro e a comparação entre a casa e o forte de São Pedro.






"Ainda estudante em Salvador da Bahia, em princípios dos anos 1980, a obra de Lina Bo Bardi inseriu-se em minha memória para sempre, sem que eu o soubesse. De certa forma, estive contaminada por essa estranha casa, a única construída por Lina em Salvador, diante da qual passara muitas vezes para visitar uma amiga. Curiosamente, apesar de a Casa do Chame-Chame pertencer ao meu cotidiano, cada vez que a revia, nunca deixava de sentir um forte estranhamento. Era uma espécie de casa de bonecas, casa de contos, com seus muros inteiramente revestidos de tufos de vegetação, seixos, cacos de azulejos, fundos de garrafa, conchinhas, restos de brinquedos e de bonecas quebradas.

Jamais tive a ocasião de entrar nessa casa e recordo minha indignação ao vê-la demolida em 1984, sendo literalmente violentada sobre seus próprios muros como mais uma vítima da voraz especulação imobiliária, que há muito vinha lhe montando cerco.

(...) Apesar do pouco material aparentemente disponível para estudá-la, o fato de contar com minha memória pessoal punha-me numa situação levemente privilegiada: a de poder dizer a outrem algo que de algum modo experimentei, mesmo que marginalmente. De certa forma, sentia-me como uma sobrevivente em sua obrigação de narrar a tragédia vivenciada."
(Olivia de Oliveira)

Este trecho me aproxima da autora, e compartilhamos da mesma indignação.
Até entendo que as cidades tenham uma evolução natural, mas como nosso patrimônio histórico está sendo tratado?
Saindo do plano do coletivo, eu não consigo aceitar que minhas memórias sejam devassadas por tapumes de construtoras, ou simplesmente virem estacionamento no centro da cidade, e sempre que vejo parte dessa memória sendo destruída, demolida, me sinto impotente perante o sistema.
Inevitavelmente o pensamento recai sobre a produção atual de casas e apartamentos e sem desmerecer, mas já desmerecendo alguns arquitetos atuantes no mercado, acredito que a grande maioria dos projetos atuais é só fachada bacana e inovadora (às vezes nem isso) as tipologias dos apartamentos são todas iguais independentes se o desenho foi feito em um super escritório ou no departamento de engenharia de alguma construtora.
E conseqüentemente a impressão que tenho sobre quem de fato "produz" a cidade e o desenvolvimento dela são os publicitários e o sujeito com o "timing" do mercado imobiliário.

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